Data da publicação: quarta-feira, 13 de outubro de 2010
Postado por Aqipossa Informativo
Década de 20
Em http://www.semprevasco.com.br
Em uma época em que substituições de jogadores durante as partidas ainda não eram permitidas, os reservas dos times disputavam um campeonato à parte do principal, era o campeonato dos segundos quadros, ou segundos “teams”, conforme se dizia no então anglófilo futebol brasileiro. Nesse campeonato, em 1920, o Vasco terminara empatado na liderança com o Helênico A.C e uma decisão fora marcada para março do ano seguinte. Era a primeira decisão disputada pelo futebol na sua história e nela deu Vasco em um 4 x 2 sensacional. O inédito título foi celebradíssimo pelos vascaínos que, como forma de agradecimento, mandaram fazer medalhas de ouro 18k pra presentear a equipe formada por Miguel Cavalier, Ernani Van Erven, Carlos Pinto da Silva, Antonio Borges, Eudino Wubert, Djalma Alves de Sousa, Aquiles Pederneiras, Torteroli, Carlos Gomes Faria, Adão Antônio Brandão e Alfredo Godoy.
Para o campeonato de 1921, a Liga Metropolitana resolveu dividir a divisão principal em duas séries e puxou os quatro primeiros colocados da segunda divisão do ano anterior para a série B, dentre eles o Vasco. Mesmo ainda não fazendo parte da Série A - a principal - pela primeira vez o Vasco disputaria uma competição de futebol na primeira divisão: o torneio inicio de 1921.
Apesar de não tendo conquistado o campeonato, o Vasco venceu o América, um dos quatro grandes da época. Meses depois foi à vez do Bangu cair, desta vez em um torneio amistoso. Essas vitórias sobre os times da Série A faziam os vascaínos, que já eram centenas nas arquibancadas, acreditarem que era possível ganhar o título máximo. E o primeiro passo seria conseguir o acesso à divisão principal.
O uruguaio Ramón Platero havia sido campeão carioca pelo Fluminense em 1919 e em 1921 conquistava o mesmo título pelo Flamengo. Era esse o treinador que o Vasco foi buscar para comandar o time que disputava a Série B de 1922. Os métodos do treinador vascaíno eram revolucionários. Em uma época que preparo físico e concentração eram coisas desconhecidas no futebol carioca, os jogadores do Vasco dormiam no clube e de madrugada começavam a treinar, correndo pelo campo de Moraes e Silva e nas ruas próximas. O time começava a ganhar o fôlego que faria a diferença na meteórica ascensão vascaína
Mas qual o real significado dessa contratação? Na prática ela demonstrou a vontade vascaína de tornar o clube cada vez maior, afinal o uruguaio era talvez o principal técnico carioca. Mas também outro aspecto relevante foi que ao tirar de um clube da elite seu treinador, o Vasco mostrava aos mais atentos que iria incomodar muitos aqueles que se julgavam superiores ao clube dos portugueses, dos pretos e dos pobres, pois para eles era isso que o Club de Regatas Vasco da Gama significava. Nada além disso. Ao tirar Ramón Platero do Flamengo, o Vasco um ano antes de 1923, mostrava o que viria a seguir. Na foto abaixo, em primeiro plano: Leitão, Nélson e Mingote, que eram parte da defesa armada por Platero.
Ao campeão dos primeiros quadros da Série B de 1922 estava garantida a vaga para a Série A do ano seguinte, sem necessidade de eliminatória. Portanto só essa colocação interessava aos cruzmaltinos. Um a um, os adversários foram caindo. Uma campanha espetacular com apenas uma derrota. No jogo final, uma vitória por 5x0 sobre o Palmeiras. O Vasco se sagrava campeão de 1922 com um time formado por: Nélson da Conceição, Mingote, Leitão, Pedro Nolasco dos Santos, Bráulio Prado, Arthur Medeiros Ferreira, Paschoal, José Cardoso Pires, Torteroli, Claudionor Correa e Alípio Marins
No campeonato dos segundos e terceiros quadros, o Vasco terminou invicto. Essa campanha espetacular em todos os três quadros, fazendo o maior número de pontos em todas as categorias, garantiu ao Vasco a posse temporária da Taça Constantino, que o clube ganharia definitivamente em 1924 ao ganhar o troféu pela terceira vez.
O Vasco celebrava 25 anos de fundação, mas quem comemorou foi o futebol e a sociedade brasileira. Pois em 1923, os racistas do futebol – representados por América, Botafogo, Flamengo e Fluminense – sofreram um golpe do qual eles nunca mais se recuperaram. No campeonato carioca de 1923, os clubes dos racistas e dos brancos bem nascidos foram arrasados por uma equipe de negros e trabalhadores.
As arquibancadas desses clubes, antes restrita a elite e para choque desta, foi invadida pela massa vascaína. O povo entrava em lugares antes restritos a alguns. Os estádios agora não eram suficientemente grandes para acomodar tantos. Era a revolução vascaína transformando para sempre o futebol. O Vasco não foi a primeira equipe a contar com um mulato ou negro no time. Mas foi o Vasco o primeiro a esmagar os clubes que se consideravam a fina flor da sociedade, em 1923 aqueles clubes racistas pela primeira vez foram derrotados.
Ninguém imaginava que aquela equipe suburbana, inferior racialmente e socialmente - na opinião dos ignorantes da época – pudesse ganhar dos clubes ricos da Zona Sul. O que o Vasco fez para o esporte só é comparado ao negro Jack Johnson nocauteando o branco Tommy Burns em Sydney no ano de 1908. Antes dessa vitória, o boxe era segregado. A mudança operada pelo Vasco só tem paralelo com Jessé Owens calando o Estádio Olímpico de Berlin em 1936, antes disso os nazistas tinham como certeza a vitória dos “puros arianos”.
Os clubes em um futuro próximo se abririam para todos. E foi o Club de Regatas Vasco da Gama o agente dessa mudança ao ganhar o campeonato carioca de 1923. Por causa disso, o Vasco se orgulha de seu passado. Nosso passado não tem a mancha do racismo. Nossa história é a mais bela história de um clube de futebol brasileiro. Não importa quantas glórias conquistem os clubes que tiveram sua origem no pensamento segregacionista e elitizado, eles nunca conseguirão apagar essa mácula de sua trajetória.
Pelo Vasco, o negro pode se afirmar no futebol. O trabalhador poderia também jogar futebol, porque não? O esporte não era somente para uma casta de privilegiados. O ano de 1923 marcou essa ruptura. Depois desse ano nada mais seria igual, porque o Vasco pela força dos menos favorecidos se impôs perante aos soberbos e eles tiveram que nos aturar, como o fazem até hoje.
Com o sucesso do time, foi natural a convocação para a Seleção Brasileira de três de seus jogadores – Nélson, Torteroli e Paschoal – para a disputa do Sul-Americano do Uruguai em 1923. Ali começou a gloriosa história vascaína na seleção, pois além de ser um dos clubes que mais cederam jogadores para disputas de Copas do Mundo, alguns desses atletas vascaínos foram protagonistas de conquistas e marcos históricos com a camisa do Brasil.
Somente o Vasco poderia resistir à onda de perseguição e intolerância que se levantou contra ele após o título de 1923. É bom lembrar que na sociedade da época – e não apenas no futebol – havia um enorme preconceito contra o português imigrante e o negro.
Ainda durante a disputa do campeonato de 23, no segundo jogo contra o Flamengo, pelo returno, todos os clubes aristocráticos se uniram para torcer pela derrota do Vasco. A torcida cruzmaltina, minoria no Estádio das Laranjeiras, foi covardemente agredida pelos adversários e a confusão que se seguiu só teve fim com a entrada em campo da cavalaria militar.
Após o jogo – que foi vencido pelo Flamengo devido a um gol mal anulado do Vasco – os torcedores rivais, mesmo derrotados no campeonato, acharam motivo para humilhar o Vasco atacando símbolos da colônia lusa e depredando o restaurante em que os vascaínos se reuniam. Pois para eles o Vasco não era brasileiro, os brasileiros negros e os brasileiros brancos, pobres e analfabetos não podiam ser considerados iguais aos jogadores deles. Brasileiros eram eles: os ricos, os brancos, os da Zona Sul. Por esse motivo o Vasco tinha que ser banido do futebol, não havia espaço para brasileiros negros e pobres no “football” elitizado. Nem para esses portugueses abusados que deram chance para eles, subvertendo a ordem natural das coisas. Era preciso parar o Vasco.
De 1928 até o final da década de 40, funcionou no Vasco uma Escola de Instrução Militar, também chamada de Tiro de Guerra, que tinha como função preparar os sócios do clube para a reserva do Exército. Instrutores, material, tudo era bancado pelo Vasco, que disponibilizava uma grande área em São Januário para a atividade. Para se ter uma noção da importância para o clube de seu Tiro de Guerra – oficialmente E.I.M 307 – basta dizer que este contava com um departamento e diretor próprio, como hoje o tem o futebol e demais esportes. Também para os mais altos poderes a relevância da escola era notada: a primeira bandeira brasileira do Tiro de Guerra teve como madrinha ninguém menos do que a primeira dama do país.
A fim de lembrar o exemplo de civismo que representou a E.I.M 307, o clube fez uma estátua em homenagem ao atirador brasileiro, que até hoje pode ser vista em São Januário. A bandeira, porém, não está mais no clube. Durante o enterro de Santos Dumont em 1933, foi esta bandeira brasileira, a do Tiro de Guerra do Vasco, que cobriu seu caixão durante todo cortejo fúnebre e que por fim foi enterrada junto ao “Pai da Aviação”. Posteriormente a bandeira foi retirada e doada pelos diretores vascaínos ao Museu de Santos Dumont. Até seu encerramento, o Tiro de Guerra 307 formou mais de 10.000 reservistas para o Exército Brasileiro.
Já com São Januário pronto, faltava ao Vasco a retomada da hegemonia em solo carioca, para isso foi montado um time fantástico, a primeira Sele-Vasco. No gol, o mitológico Jaguaré, sempre protegido por Mola, que somente não foi para a Copa de 1930 porque não quis. Os que foram - Fausto, Itália, Brilhante e Russinho - se consagrariam como grandes jogadores da época.
A decisão do título foi em uma melhor de três com o América, a primeira desse tipo no Rio de Janeiro; depois de dois empates, uma goleada de 5 x 0 sacramentou a superioridade vascaína. Autor de três gols na decisão e artilheiro do campeonato, Russinho atingiu enorme popularidade, sendo inclusive citado em samba de Noel Rosa.